Hipocrisia interna

Não confunda auto-estima com exagero na avaliação. Há uma expressão que, depois de ouvida na voz de Maria Bethânia, ficou para sempre na minha cabeça: “O meu tamanho; nem para mais, nem para menos”. Tenha a noção clara do que é, e até onde pode ir. O seu tamanho certo é assim como uma linha que define o que é normal e possível e separa da ilusão. Vivemos numa época demasiado focada em frases feitas de auto-ajuda, sem conhecimento dos limites. Não somos todos iguais e as diferenças que nos enriquecem enquanto pessoas são as barreiras que nos impedem de conseguir chegar a todo o lado ou fazer tudo. Isto é algo muito importante: conhecer os limites e o exagero. Vivemos exagerando qualidades e esquecendo de vencer os defeitos. E de exagero em exagero há a tendência de perder a noção da realidade. É por isso que surge a dúvida, despertada pelas frases feitas expostas na rede social: se toda a gente é tão maravilhosa e fantástica, porque vivemos num mundo de merda? A conclusão é simples: a maioria das pessoas mal sabe ler, quanto mais seguir as frases que postam descuidadamente pelas redes. E há a sobre valorização. Lamento mas o Mundo é uma merda porque a maioria das pessoas prefere ser uma merda. Pronto. É simples. O segredo é reconhecer o posto que se deve ocupar no mundo e inconformadamente tomá-lo procurando melhorar os nossos defeitos. Principalmente aqueles defeitos que marcam uma Vida. Não se hipervalorize. Todos temos valor e validade. E é preciso ganhar, com o tempo, uma auto-estima que nos permita dar o melhor de nós em todos os gestos. É preciso evitar usar essa auto-estima para justificar comportamentos errados, erros e maldades que hipocritamente queremos esconder de nós próprios. Exagerar as qualidades impede-nos de ver os defeitos que precisamos conhecer para depois vencer. Há defeitos que sustentam a nossa personalidade, mas outros são apenas o lixo que cobre a nossa dignidade. Combater a hipocrisia interna é essencial para não cair no ridículo de achar que a missanga que usamos é uma joia. Essa ilusão pode ajudar as pessoas a sobreviver mas no fundo sabem que não vivem. E disso estou certo!

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Todas as vidas importam

Vivemos numa época de suposto distanciamento social para evitar que os mais vulneráveis possam ser infetados com a COVID-19. Claro que essa regra, tal como todas as outras, só se aplica às pessoas de boa-fé, educadas e que sabem viver em sociedade. Como vivemos num mundo virado do avesso, egoísta e mesquinho, caímos no absurdo de transformar movimentos com boa intenção numa manifestação deplorável de pessoas sem qualquer bom-senso a querer parecer defensores do bem. Claro que me refiro aos recentes movimentos anti-racismo que têm convocado manifestações, nos centros das cidades, sem qualquer cuidado com o distanciamento social ou as regras de etiqueta respiratória. O racismo está na génese de muitos países e é mais que um problema social: é um cancro evolutivo. Diz-nos a História que há e sempre houve racismo, nas formas mais criativas e absurdas, mas não é com manifestações que isto vai lá. Para além disso, todo o alarido social e mediático prejudica mais do que ajuda. O que despertou todo esta onda de indignação foi a morte por sufocamento de um negro, provocado pela força policial excessiva. Há nesta situação tanta coisa a correr mal que não se pode agregar racismo como a causa de tal catástrofe. Temos ali o problema do desrespeito ás autoridades, que se nota nas manifestações anti-racismo que decidiram violar o distanciamento social e a etiqueta respiratória. Ou seja, o problema que esteve na origem de todo este ruído, mantem-se e foi agravado. Esta não é uma boa maneira para demonstrar que se tem razão. Depois houve uso excessivo de força por parte da polícia. Nestas manifestações, que desrespeitam totalmente as recomendações das autoridades não há qualquer tentativa de dispersa-los por parte da polícia. Ou seja, passamos de um extremo (uso excessivo) para outro (total impunidade). E isso choca-me porque como cidadão tenho o direito a exigir que se cumpram as regras que são impostas pelas autoridades. Eu cumpro e por isso quero que se cumpra e se faça cumprir. Para além disso vi nas manifestações cartazes que violam claramente a lei e incitam à violência. Não vamos transportar uma bandeira que não nos representa. Há milhares de detenções nos estados unidos e, como é óbvio, a exceção não pode fazer a regra. Uma morte que seja já é uma morte a mais, mas se andamos a brincar com o assunto ou a usá-lo como arma de arremesso, então perdemos a credibilidade para fazer passar uma mensagem Honesta e Séria. A polícia exagera vezes a mais e nem que fosse uma vez temos de mostrar a indignação e conversar seriamente sobre o assunto. Por fim precisamos dizer que aquele homem morto era negro. Mas certamente poderia ser hispânico ou apenas um vagabundo, ou cigano. Tenho quase a certeza de que poderia ser caucasiano marginalizado e sem condições de se defender. E quantos não há que, por erros ou por estar no sitio errado na hora errada, são apanhados por algo que não lhes era dirigido? Não estou com isto a afirmar que não houve racismo. Estou apenas a deixar bem claro que somos mais rápidos a fazer conclusões precipitadas do que a analisar as situações de trás para a frente. Existe racismo sim, e muito. Existe homofobia, existe machismo tal como existe feminismo. Existe pobreza e fome. Existem desigualdades e toda a forma de pré-conceito deve ser combatido. Mas vamos combater de um modo sério sem introduzir pré-conceitos nessa mesma luta. Não são as vidas negras que importam. Todas as vidas importam. Cumpram as regras de segurança, respeitem para serem respeitados. Eu nunca levarei a sério pessoas que marcham contra o racismo sem cumprir com o seu papel de cidadão honesto numa época de pandemia. Nunca levarei a sério pessoas que manipulam uma situação e a opinião publica para transformar uma exceção em regra. Caminhamos a passos largos para uma anarquia do desconhecimento em que as pessoas defendem o que lhes parece e o que lhes apetece, sem bom-senso, sem pensar. Até que um dia vem um grande manipulador, e assim se aproveitará do pequeno Hitler escondido nos que levantam um cartaz a dizer: “um bom polícia é um polícia morto”. E as milhares de pessoas que estavam a manifestar-se viram o cartaz, leram, e seguiram a marcha!

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Nostalgia do Abandono

Tenho alguma propensão para a nostalgia quando estou sozinho. Acho sempre, por um motivo ou por outro, que as pessoas me abandonaram sem que eu tivesse feito nada que mereça tal punição. Suspiro e reviro os olhos, sempre sem perceber o porquê do vazio e da solidão. Sei que a minha própria companhia é boa, mas fico impaciente. Abro um livro, deixo. Ouço música de olhos fechados. Rabisco e pouso a caneta na mesa, largada na mesma solidão em que me encontro. Desaprendi a estar só e a aprendizagem tem sido dolorosa por ter de enfrentar vozes que nunca deixei de ter como um eco dentro de mim. Esta minha nostalgia prende-me a uma tristeza tão portuguesa, e ao mesmo tempo tão minha que me sinto o porta-bandeira de todo um sentimento triste que vem não se sabe de onde e vai pelo desconhecido fora até chegar ao âmago do interior. E ali, despido de qualquer manta protetora, sou obrigado a ouvir o eco de tudo o que não quis reviver e preferi apagar. Há anos inteiros da minha vida que não lembro. Por memória seletiva, por defesa ou apenas por medo. E todos os outros vivi intensamente e de modo rápido. Uns melhores, outros piores, mas todos vividos de um modo tão enérgico que cheguei a esta idade, seco. Não me resta nem mais pinga de força para arriscar ou mudar demasiado o que já tanto mudou. Esta nostalgia medonha deixou de me envergonhar há muito e hoje abraço-a sabendo que me acompanhará todo o tempo que eu durar. Faz parte de mim e ela sou eu também. Somos um, e unidos ficamos quando sozinho me sento em mais um serão, frente ao computador, livro aberto ou com aquela série que eu tanto gosto de ver. Não mais tento me livrar dela nem combate-la. É assim porque é assim que tem de ser. Existem pessoas mal vividas com todas as condições para Viver bem; existem pessoas mal vividas que não sabem o que é sentir Amor, Amizade, Raiva, Injustiça, Felicidade, Ansiedade, e todas as coisas boas e más que temos de experienciar nesta longa viagem até ao Nada. Um dia tudo termina de forma abrupta, mesmo que seja de forma programada ou esperada, e vai restar a memória do que fomos e do que fizemos. Uns deixarão legado, outros deixarão saudade, e a maioria deixa descendência ou nem isso. E o pó que cobre os sentimentos começa bem cedo. É por isso que gosto desta nostalgia de olhar para o passado, sentir a dor moer devagar e com grande profundidade. Aqueles anos que passaram não vão voltar e eu estou melhor do que alguma vez estive. Recomendo-me…e é bom escrever isso para me ouvir dizê-lo de dentro para fora, como um grito alegre que abafa todos os outros sons.

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Estou onde está o meu coração

Aprendi a não pensar demais as decisões da Vida. Balança-nos para lá e para cá, troca todas as voltas e mesmo assim ficamos sempre de pé mesmo quando pensamos que não conseguiremos ultrapassar os obstáculos. Todos os planos e ambições dependem de nós mas também da maré das circunstâncias. Uma vez cheia e a favor, outras vazia e quase sem recursos, mas sempre a influenciar a nossa lua. Mas apesar de tudo vamos sempre avançando pelo Tempo fora. E quanto mais calculamos, mais erramos. Há muito deixei de tomar decisões com base em motivos económicos ou no que aparentemente é melhor. O coração sabe mais da Vida que eu, e segui-lo tem-me levado longe. Estou muito tranquilo com as minhas decisões, mesmo quando impulsivas, e com os meus gritos e as minhas iras. E com os meus sossegos e desassossegos; e os meus momentos a sós enquanto caminho na beira do rio ou na areia da praia. Estou certo que ponho quanto sou no mínimo que faço e em cada grito está uma força que vem de dentro. Talvez grite muito menos hoje que antes, talvez tenha moldado a minha paciência de modo a torna-la mais plástica dentro da impaciência. Deixei de explodir com a mesma ânsia de recuperar o Tempo que se gasta e nunca mais se recupera. Não aprendi a dominar-me e menos ainda a controlar-me. Só gasto menos energia com o que não vale a pena. Cheguei a uma idade e a um momento na Vida em que não me apetece nem um pouco discutir em vão. Mudar mentalidades não resulta, nem sequer ajuda falar da nossa própria experiência e tentar abrir horizontes a quem teima em permanecer de olhos fechados. Nunca fui um desistente e sempre me custou desistir de pessoas, mas esta longa batalha de tentar provar que as pessoas são capazes e merecem ser felizes, teve de terminar em algum momento. Nem todos são capazes e lamentavelmente nem todos são merecedores de ser felizes. Embora continue a acreditar que todos possuem uma essência que pode ser a chave para a felicidade, há também um lado negro que muitas vezes se sobrepõe. Lidei a minha Vida toda com o meu próprio lado negro, e sempre achei um fardo pesado demais. Então porquê ousar somar a isso os problemas que não são meus? Ás vezes acho a hipersensibilidade culpada de tudo o que se passa à minha volta. Desaprendi a desprezar, ignorar e a fingir. Não sei olhar para o lado nem evitar dizer o que me passa pela cabeça, mesmo quando sei que serei mal interpretado. Porque as palavras, essas mesmas com que agora escrevo, não têm entoação ou sentido. Somos nós que primeiro as conduzimos e depois as usamos para agradar a nossa perceção das coisas e assim evitar o pedido de desculpas e a culpa. Ironicamente sou um apaixonado pelas palavras. Voltei a ler como antes, estou mais descansado e mais livre. Trabalho muito, mas ainda assim menos que antes. E heis que a Vida veio trocar-me as voltas e o que já tinha praticamente decidido para um futuro próximo deixou de fazer sentido e é provável que tenha de ser mudado. Terei de tomar decisões interessantes em breve e, ao invés de ficar a matutar, aguardo serenamente que a Vida quase decida por mim. Eu estou onde está o meu coração e é ele que escolhe o meu caminho. Nunca errado, nunca fácil, e sem pensar demais sempre me leva em frente.

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Na minha própria insegurança

Tem certos dias em que me estranho. Acordo sem vontade de acordar, e arrasto-me sem vontade de andar. É uma sensação muito estranha e que não se adequa à minha postura. Mas ando cansado. Tenho envelhecido a uma velocidade rápida mas em vez de me preocupar, celebro o tempo a mais em que vivo numa Vida que não me parecia destinada. Há muito quem escreva sobre o destino mas, sendo cético e tendo passado pelo que já passei, sou obrigado a concluir que se o destino existe e está escrito algures, não haveria quem tivesse criatividade suficiente para tornar aquele miúdo no homem maduro que hoje está deste lado do computador. É impossível que alguém tenha tido a capacidade de inventar esta Vida para outrem. Mas também me recuso a aceitar o acaso como uma marca indelével da minha história. Tem sido tudo o resultado de uma conjugação de fatores que engloba escolha e muito trabalho. Penso que já trabalhei o suficiente para várias Vidas e posso, a partir deste momento, relaxar. Nos últimos anos tenho abrandado devagar e em breve vou procurar baixar drasticamente o meu ritmo de trabalho. Tenho a certeza de que me posso orgulhar de tudo o que fiz ate agora. Estive muito tempo dedicado à minha profissão e abracei todos os desafios como se fossem uma questão de Vida e de Morte. Vivi acelerado e tantas vezes me estampei contra o muro, que um dia vi mesmo a casa vir abaixo. E eu caí com ela. Caí e reergui-me vezes sem conta, mas mesmo sem contar sei que foram vezes demais e imerecidas. Escolhi e deixei que outros escolhessem por mim. Lutei, gritei e até fui atrás de quem não merecia sequer um olhar. O amor tem destas coisas… E amei muito, com a intensidade de uma montanha russa em plena descida. É por tudo isso hora de mudar e transitar toda a necessidade de ser aceite e amado para mim. Nunca me amei e nunca me aceitei. Achei sempre, e vou morrer a achar, que não mereço esta Vida que vivo. Deixei de me amar ainda criança quando na primeira tareia me marcaram com a culpa de ser um menino mau. Mas no fundo sei que sempre estive errado e esses erros não me definem mais. Eu estou finalmente a libertar-me da culpa e da condenação de ter de ser sempre mais e melhor. Esta vida que eu tanto lutei para ter é muito mais que um merecimento total e absoluto. É a certeza de que eu tracei, na minha própria insegurança, o melhor percurso possível. E não me posso continuar a espantar; se vivo esta vida é porque posso, mereço e soube chegar aqui. Já dizia o Saramago: sempre chegamos onde nos esperam…

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Propagação do vazio pelo ambiente social

Ás vezes as minhas insónias levam-me por caminhos que nunca imaginei. São sonhos, são pesadelos e são até caminhos alternativos do tempo de “e se…”. Mas sempre acordo. Haverá um dia em que lá terei de não acordar e resignar-me à finitude do meu tempo. Viver chega a ser um desperdício chato e inconsequente. Quem quereria atravessar este curto período de tempo para buscar sabe-se lá o quê, sabendo que no nascimento já estamos condenados a morrer?. E o contrário de viver não é morrer como se diz, há muita gente que respira mas não vive, apenas se arrasta. Este meu amadurecimento calmo e despretensioso ensinou-me que o contrário de viver é a recusa de ter personalidade e lutar pelo que se quer. Talvez isso explique muita coisa sobre algumas das pessoas que se cruzaram na minha vida ao longos dos anos. Não houve ali uma vontade real de lutar e viver. E está certo. Todos temos o direito e o dever de ser felizes à nossa maneira. Uns a pensar demais, outros a executar demais, outros apenas a arrastar-se por um dia-a-dia de tempo perdido e jamais recuperado. E se não têm consciência disso então talvez seja mesmo melhor deixar o tempo rolar, e acabar. No final da Vida haverá sempre os que foram apenas mais um entre muitos, e os que de alguma maneira quiseram e viveram de modo a fazer a diferença. Não é a fama Kardashian que interessa, ou o fenómeno mediático que fica para a História com a ridicularização da falência social. Fazer a diferença ou não, vem de como vivemos e de quem somos. A matéria de que somos feitos… Escrevo isto num estado profundo de condenação a viver rodeado de gente que não quer viver mas apenas arrastar-se no crescimento imerecido á custa de terceiros, aproveitando-se do trabalho alheio e das capacidades dos mais competentes. A essa enorme doença que há décadas se alastra, temos agora a somar as pessoas que apenas vivem desligadas da realidade no seu mundo social. E somadas ambas as desgraças, aceites como inscritas para sempre no ADN da Vida e não-vida humana, chegamos à triste conclusão de que apesar de séculos de evolução, retrocedemos tanto em poucas décadas. Sinto a falta de pensadores, de humildade, de uma interação saudável entre as pessoas. Numa época de tantas redes sociais e tantos contactos, a dependência desse contacto frio é muito mais do que uma enorme preocupação, passando a ser mesmo um cancro social. Todos brincam ao TIK-TOK e tentam viralizar, sem entender o que realmente significa a palavra. Essa propagação do vazio pelo ambiente social é de facto um vírus que rapidamente se propaga e contagia todos. E para mim não há nada pior que deitar no vazio e acordar no vazio, sentindo e querendo Viver ainda com mais intensidade. Não tenho por isso grande apreço por pessoas que se controlam muito e nunca discutem; ou que escondem os sentimentos por debaixo dos caracóis dos cabelos. Os sentimentos não se podem racionalizar, e o Amor não se pode fingir. Ou se tem e se sente, ou não. E quem sente o coração bater, perde as estribeiras e fala alto; perde a paciência e sente o coração na garganta a bater e a apontar o discurso. Não o pensa, nem o quer pensar. Eu pertenço a essa classe de pessoas que sente até ás lágrimas quando as coisas correm bem ou correm mal; que diz o que lhe vai na alma e no coração sem pensar consequências porque afinal a minha Verdade não me pode condenar; que prefere uma boa discussão que uma paz podre; que prefere uma boa conversa que ignorar o que se passa á volta. Tudo isto parece ser universalmente aceite como algo fantástico, mas não é. É esse feitio que me impede de chegar onde alguns têm expectativas que chegue. A minha regra é agir, fazer, nem que seja aparentemente mau financeira ou socialmente. Precisamos de pessoas que sejam e façam. Apenas ser e fazer.

 

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A desistência da felicidade

A relação entre duas pessoas tem mudado muito e o certo é que hoje, nada é eterno. Nada fica, nada é para durar. As pessoas já traçam caminhos com vista ao futuro possível mas apenas ao futuro que cada um quer sem que seja possível alcançar. É lamentável que hoje o Amor, seja de que forma for, é uma sorte de encontrar nos caminhos perdidos da Vida. E não foi feito para ficar ou para durar. Nem sequer o Amor dos progenitores tem a capacidade de resistir ao egoísmo próprio da Humanidade. Dura enquanto tem de durar, termina num vazio que rapidamente se preenche com qualquer coisa que se desconhece no imediato, mas que vem a ser a inimportância de amar. E venham lá esses dias especiais, dos namorados, da família e até aniversários presos pelas 24 horas de um dia. Eles passam e como eles as promessas de sentimento fingido. Sim, fingido. Só pode ser. Cada vez entendo menos esta coisa das pessoas que amam um dia, sentem saudades e são amorosas, e no dia seguinte simplesmente abandonam tudo. É algo que não me cabe na cabeça. A desistência da busca pela felicidade com a pessoa que amamos é um crime contra a nossa própria essência. Todos temos o direito e o dever de ser felizes; mas com tal obrigação vem grande poder. Somos livres para escolher amar, cuidar, abraçar e beijar ou desistir, fugir, maltratar e pisar. A escolha parece tão óbvia que o pensamento de um dia eu próprio desistir me causa uma náusea total e um desconcerto emocional. Não há justificação suficiente nem possível para alguém magoar deliberadamente. Essa necessidade de magoar outro só para poder sentir algo é um comportamento narcisista que define os caminhos tortuosos que hoje se fazem. É por isso lamentável este corrupio de relações de conveniência, usura e com prazo de validade. As pessoas deviam sentir mais! É preciso sonhar longe para apreciar o que temos ao perto. Viver dá muito trabalho e construir a felicidade é um trabalho contínuo e árduo, com muitas discussões, com muitos desentendimentos mas também alegria e prazer sem limites. É preciso ás vezes até negociar e ceder para conquistar. Perdas e ganhos cheios de suor e árduo poder de encaixe. Infelizmente não há mais vontade para construir coisas. Vive-se o imediato sem qualquer obra para deixar, sem qualquer futuro a pensar. E isso acontece nas relações de amor, amizade e até de trabalho. Não se reconhece o bem que é feito e o mal parece sobrepor-se a toda e qualquer obra que se vá construindo. Há poucas pessoas que saibam realmente o que é sentir, amar, cuidar e a responsabilidade bela de ser e fazer os outros felizes. O sacrifício de hoje pode bem vir a ser a fonte de muito riso e uma história linda. A visão a curto prazo, imediata, é redutora e limita a compreensão. O que as pessoas ainda não entenderam é que no final da Vida, feitas as contas de somar e subtrair, apenas vai restar o que construímos, uns com os outros, uns pelos outros. É por isso lamentável a desistência da felicidade. Ninguém é feliz sozinho.

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Pessoas ou monstros?

Andamos todos muito chocados com a menina assassinada pelo pai com a suposta ajuda da madrasta. E todos gritam, pulmões cheios de ar, que aquelas pessoas são na verdade monstros. Talvez nos choque a frieza daquele pai que, sem dó nem piedade, roubou a Vida a uma criança, sua filha. Mas estamos todos fechados em casa neste confinamento com um ar entediado e até com uma sofrência exagerada pelo luxo dos nossos dias completos e repletos de comida e conforto. E quando acabar? Pois claro está que continuaremos todos a viver com o mesmo isolamento. Cada um vai à sua Vida, cada qual cuida de si da melhor maneira possível e já ninguém se vai lembrar das meninas que por aí vão ser assassinadas no descuido coletivo. Fechamos a porta de casa, com fé de que isso nos proteja do mundo exterior, e é a TV que nos traz essas histórias de horror. Essas histórias que não são histórias longínquas de reinos mas sim a Vida e Morte de gente como nós. E a porta que nos tranca e isola deixa de ser suficientemente forte para nos proteger do Mundo lá fora. Sentimos a verdadeira revolta. Há os que esquecem tão depressa como a imagem que deixa de estar à sua frente, exposta na TV, e há os que lamentam o falhanço da Humanidade. Como é possível que Pais matem os próprios filhos? Como é possível que sangue do seu sangue seja derramado por coisas pequenas? Mas este assassínio exposto talvez seja bem mais raro que o assassínio lento e constringente que a má parentalidade exerce assobiando para o lado. E nós assistimos a esses péssimos pais, que usam e abusam da sua condição de poder psicológico para destruir toda a possibilidade de os filhos se soltarem e serem felizes. Hoje muito se fala de filhos que vivem com os pais e não conseguem ter uma vida independente financeiramente mas pouco se discute quantos desses pais realmente permitem e querem que isso aconteça. Eu vou assistindo de camarote a relações invertidas e doentias, pouco saudáveis, com as pessoas a se usarem e a serem usadas sem qualquer necessidade real. E é tão triste, que no cúmulo, só se contactam por estranha conveniência. É assim como pegar no chapéu de chuva apenas quando chove embora ele esteja sempre ali, à entrada da casa. Nos últimos anos, por inerência da própria Vida, posição profissional e ate pessoal, sinto-me muitas vezes assim como esse chapéu que está, esteve e sempre estará ali, na entrada daquela casa, posto num canto, à espera que chova. E é difícil aceitar isso consciente de que não há outra saída para o problema. Ser social é isso. E é muito mais social quem é capaz de usar dessa arma de estar sempre no Sol tendo vários chapéus para os dias de chuva. E é na violência destes casos que não são de TV, mas sim de Vida, que revemos o sítio onde estamos e onde queremos ficar. Queremos ficar na entrada da casa, disponíveis e ignorados, ou será a altura de virar a mesa e ser também o social? Pois é da minha natureza não me conformar e ficar inquieto com tudo o que não me agrada sem nunca abrir mão da minha essência. Não serei social, e vou permanecer em isolamento voluntário pelo resto da minha Vida enquanto cumpro as minhas promessas até ao ultimo sopro de Vida que restar em mim. Não conseguirei mudar muita coisa, mas repugna-me ter de aceitar que todos estejam tão chocados com a morte da menina ás mãos do Pai quando todos os dias se deixam matar ou matam por tão pouco. Esse não-pai merece uma execução imediata, mas em vez de nos mostrarmos presos à ideia de tentar debater o que já não tem solução; o melhor é aproveitar a oportunidade para pensar o Mundo e ver no que ele se está a tornar: uma merda! Se cada um fizesse a sua parte, estou certo que seríamos capazes de salvar muitas meninas e meninos. Eu fui salvo e sei que já salvei. Se ao menos a corrente não se quebrasse! Infelizmente muitos dos que salvei continuam a condenar-se e a entregar-se ao básico…

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Analfabetos funcionais e o tsunami social

Há anos que escrevo sobre como o Mundo se está a tornar num lugar estranho. Nunca pensei viver uma época em que nos obrigassem a ficar fechados em casa para não morrermos nem matarmos. Parece um guião de um filme até porque a maioria anda alienada do que se passa e não parece nada importado com a morte, sobrevivência ou doença. Não é por falta de informação, cultura ou aviso. Isto acontece porque estamos mergulhados numa profunda crise social onde o termo de analfabetos funcionais ganha contorno de pandemia. As pessoas leem, ouvem, e têm acesso a um excesso de informação que não conseguem filtrar ou analisar. Sim, o excesso de informação é algo muito negativo quando estes analfabetos funcionais não são capazes de filtrar o que lhes entra pelos ouvidos. Não conseguem estruturar o pensamento e apenas selecionam informação com base no que querem acreditar, de acordo com o que lhes dá mais jeito. É pouco relevante discutir as “fake news” ou os erros de digitação ou de entrevista de um qualquer jornalista que se julgando mais inteligente do que realmente é, abdica da isenção. É preciso enfrentar o problema de frente e assumir que o maior dos problemas é esta disfunção de pensar que se espalhou e instalou. Talvez seja até pior que uma pandemia. Há quem o faça de um modo calculista. Não creio que o Presidente dos USA de facto creia no que diz, mas tem inteligência para saber como se aproveitar do excesso de analfabetos funcionais. Que se enganem os intelectuais do mundo: o presidente do Brazil e todos esses políticos que nos chocam com as suas retóricas absurdas são suficientemente inteligentes para saber como manipular essa classe de gente que será hoje a esmagadora maioria dos que se cruzam nas nossas vidas diariamente. Sinceramente não sei como ultrapassar este problema que nos limita a felicidade tantas vezes, vezes demais. Nos últimos meses, fechado em casa, tenho tido algum tempo para refletir sobre essa classe de analfabetos funcionais e não vejo como retroceder. Não falamos de uma geração em específico, dos mais jovens ou dos mais velhos. É algo que se foi instalando e foi ficando cada vez mais enraizado e a situação vai implodir e arrastar com ela a Humanidade. Essa gente não entende nem quer entender. Não adianta trocar em miúdos, procurar o discurso ideal ou tentar explicar o que não querem compreender. Os analfabetos funcionais sabem ler, construir até um discurso, mas são incapazes de ver para lá do que lhes interessa ou querem. É pena a quantidade de pessoas talentosas, realmente capazes de fazer alguma coisa com a vida delas e pelo bem comum, que se perdem no egoísmo de querer ser analfabetos funcionais muitas vezes por opção. Eu fico chocado com as coisas absurdas que essa gente faz e diz. E para exigir direitos, principalmente o de se fazer o que se quer, estão sempre prontos. Chega a ser violento. Estes analfabetos funcionais procuram viver como milionários, sem se preocupar à custa de quê e de quem. Assim, vivemos numa sociedade onde não se educa nem se cuida das pessoas e do Mundo. E não adianta dizer, explicar e mostrar. Não entra na cabeça desses analfabetos funcionais que estão a ser manipulados de modo a viver uma vidinha aparentemente feliz, mas oca. Este falhanço total e coletivo tira-me um pouco a paz. E o pior de só ter dessas pessoas à nossa volta, é que ficamos isolados numa ilha vendo um tsunami a aproximar-se e sem ser possível fugir. A onda vai aumentando de tamanho e não há arca de Noé para salvar quem vale a pena.

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Onde o coração não bate

Enquanto a Vida procura alguma normalidade no meio do caos, somos confrontados com a necessidade de mudar irreversivelmente. Penso que todos conseguimos perceber que nada poderia voltar a ser como antes. Mas vai voltar a ser tudo exatamente como antes, mais depressa do que julgamos. Infelizmente o meu pessimismo pela Humanidade leva-me a assumir esta postura definitiva. Não sei em que momento da História nos tornámos egoístas ao ponto em que estamos hoje. Não sei se alguma vez deixámos de o ser, mas houve uma época em que se disfarçava mais que hoje. Batem-se as palmas, fazem-se movimentos nas redes sociais, pedem-se donativos e todos somos solidários e preocupados. A verdadeira questão é: somos porque tem de ser e impera o medo ou está em nós essa vontade? Acho que a maioria tem medo deste novo contexto e, roubando o exemplo que o Herman José deu numa entrevista que vi há dias, é como ter um susto e dar entrada num Hospital. Rezamos a todos os santos, fazemos promessas e ate juramos que se a equipa médica nos salvar iremos fazer voluntariado ou estar com eles todas as semanas. O sentimento de agradecimento é puro e genuíno quando vem a salvação. É verdadeiro aquele entusiasmo e aquela alegria. Se não fossem aquelas pessoas, num outro tempo e em outro espaço teríamos morrido. As primeiras semanas passam rápidas com o acelerar da Vida e a alegria triunfante dá lugar ao banal. E sem pensar voltamos ao mesmo e esquecemos até o nome do médico, e que havia uma enfermeira e já nem sabemos se fomos a pé ou de ambulância. O que aquela experiencia de quase morte afinal demonstra é que a Vida tem um prazo de validade e nós vivemos centrados nas nossas necessidades. Será assim com o Covid-19 e após o Covid-19. Haverá o regresso à normalidade e quem tem um espírito livre e honesto continuará a aprimorar essas características belas. Quem não as tem manterá a mesma postura vazia e oca. Não prevejo que muitos possam passar de mesquinhos a gente boa. Lamento mas o Mundo não vai mudar para melhor. Sinto ate calafrios quando o pior dos pensamentos me ocorre e me diz que as pessoas vão ter ainda mais vontade de se centrar nelas mesmas e evitar a partilha de recursos e de dinheiro. A crise vai alimentar e cavar ainda mais o fosso que já se estabeleceu entre esses dois grupos de pessoas. E eu não quero assistir a isso. Permanecerei atento e no mesmo isolamento social que antes, esse mesmo que durante anos levou a que me apelidassem de anti-social. Essa ofensa dita, e tantas vezes repetida numa tentativa de me magoar e humilhar, veio agora expor que ás vezes essa é a única arma contra os grandes males. Chegou o Covid-19 e o que tivemos de fazer? Isolamento social, pois claro. Ás vezes nós sentimos demasiados vírus purulentos e contagiantes à nossa volta e a única arma para nos defendermos é o isolamento social. Eu quero manter-me são e saudável até morrer. Mesmo quando o corpo falhar quero ter a certeza de que permaneço inocente das coisas que se fazem no lugar mais escuro da alma, onde o coração não bate.

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