Ensaio sobre a gasolina para a mudança

Temos de nos convencer que mudar uma filosofia de um país demora mais que uma geração. Mais que uma vida. E este país, que há muito não é para velhos, tem muita coisa para mudar. O mais podre pedaço deste país é a corrupção e a inveja. Todos os dias vejo isso e todos os dias me desgasto um pouco a lutar contra os interesses instalados, a corrupção, a injustiça e a inveja. Mas é um desgaste que muito me orgulha e todos os minutos que gasto a fazê-lo são, para mim, muito bem gastos. E fico sempre com a sensação que poderia ir mais longe e esticar (ainda) mais a corda. Não sou muito bom a dar a outra face e quando o faço, tenho uma dificuldade visceral para esquecer o que me fazem. Não guardo rancores. Deus me guarde de tal. Mas não esqueço. É que o perigo espreita em qualquer lado e é bom estar atento. Temos de ser duros na queda para que o chão, fim de quem sobe acima da sua própria altura, chegada dos incapazes e infelizes, não seja mais que um estímulo e nunca uma condenação. Não somos prostados aos pés de ninguém. Somos colocados face a esse facto como resignados. E a resignação é a inimiga da mudança. A injustiça tem de ser gasolina. É nossa obrigação abraçar a injustiça e avançar, imprudentemente, para a denúncia incendiada. A ira. A indisposição para comer tudo o que nos servem como um banquete. O cheiro que nos confunde os sentidos e nos arrasta logo para a certeza de que é injusto. Há fraude ali. Há corrupção. Há maldade gratuita e sem razão… A injustiça tem de servir como gasolina para o fogo que nos consome. Um fogo eterno de exigir direitos iguais para todos. Uma vida digna. Um trabalho que vá de encontro às expectativas e capacidades de cada um. Igualdade de oportunidades e nem um só lamento! A impunidade tem de ser a gasolina que falta para atiçar o fogo social que vai ardendo. Moendo calmamente as últimas brasas de uma revolução que não se fez. De promessas que não se cumpriram porque os Homens não quiseram e as divindades se esqueceram de impôr. Resta-nos pouco mais que regar. Espalhar por todo o lado e aproveitar todas as oportunidades para lembrar-Lhes, a esses usurpadores de Vida e de boa disposição, de que sabemos o que fazem no escuro dos seus gabinetes, na sombria Vida que levam. É difícil não entrar neste jogo sujo e perverso de obter favores por simpatia, por nome de família ou simplesmente por meio de sexo! O corpo é uma arma muito mais perigosa que qualquer mente brilhante! Confesso que por vezes também preciso respirar e rir de mim próprio quando de repente dou por mim a pensar que há caminhos mais fáceis que este. Não vou emigrar brevemente. E não o farei por uma teimosia marcada na minha personalidade. Subi até aqui pelo meu próprio pulso. Fiz sacrifícios que só eu sei e hoje parecem-me tão pesados. Por respeito ao que foi o meu percurso até aqui e pela gasolina que sei ser capaz de produzir para mudar algumas coisas, vou continuar a fazer o que posso: chamar as coisas pelos nomes e confrontar diariamente esses ratos de esgoto que vivem no ambiente húmido e sujo das suas próprias vidas. Carregam a maior doença de todas. A grande epidemia do nosso tempo: corrupção. Incompetentes sem competência para o serem. Resíduos de honestidade vendida a preço de saldo. O meu desprezo mais sincero converte-se diariamente em gasolina para a mudança. Para o fogo que em mim arde exigindo que os mais capazes, os mais competentes, os mais honestos, cheguem mais longe e mudem de vez este País que tem gente de tanto valor. Tem gente tão trabalhadora… Quando esta gasolina escapa, e me queima a pele, vingo-me na cultura. Nos livros e na música. Acalmo a minha ânsia com arte. Vejo a minha face mais facilmente refletida aí, e acalmo os sentidos. E se de injustiça tanto escrevi hoje, acabo com a homenagem sincera a uma voz única que injustamente passa ao lado do grande público em Portugal e no Brazil. Para mim, uma das melhores de sempre. Mônica Salmaso. E que ninguém ouse dizer que a música que se segue não é de letra e música brilhante. E a voz perfeita: http://www.youtube.com/watch?v=PGcApP61F_Y&feature=related.

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