Ensaio sobre os encalhados

Não sou, nunca fui e jamais serei um encalhado. Dúvidas não restam de que acho deprimente esta moda de se juntarem, no dia dos namorados, pessoas que são descomprometidas e perfeitos desconhecidos. A imagem que isso transmite é só uma: desespero. Não me venham com desculpas esfarrapadas e não me falem em casos de sucesso deste tipo de jantares porque nada pode apagar o sinal social que é transmitido por este fenómeno em crescente popularidade! De ano para ano vou vendo cada vez mais anúncios e pessoas envolvidas neste tipo de encontros. Começo pelo princípio: porque raio querem as pessoas ter companhia no dia dos namorados? Será que no dia dos deficientes, todos querem uma deficiência para festejar? Ou no dia do idoso, todos vão jantar com o avô ou a avó? Não. As pessoas estão desesperadas por serem amadas. Por terem namoros e relações mesmo que isso implique abdicar do que é saudável e são. O desespero é tal que jantar, lado a lado com um desconhecido, pode ser o início de uma longa relação. De uma vida inteira em conjunto… Podem mostrar-me mil casos de sucesso que não mudarei de opinião! Há muita gente especial por aí. Acredito nisso. Porém, a busca forçada dessas pessoas é, por si só, um sinal evidente de que algo de muito mal circula por aí na cabeça de quem se expõe ao absurdo sem perceber que a felicidade é algo íntimo. A felicidade vem cá de dentro de cada um de nós… Não chega um encontro deprimente de pessoas terceiro mundistas com aspiração a intelectuais como na sua chico espertice nem entendem que “encalhados” são os barcos quando embatem numa rocha e dali não conseguem sair… Encalhados significa que estão atolados em porcaria, lama ou numa maré baixa. Qualquer rebocador com força suficiente consegue desencalhar esta gente. Qualquer rebocador… Há aqui, neste estranho fenómeno social, algo de muito preocupante. Gente que se senta como se deita e se levanta como se escadas subisse. Não entendo o que é “fashion” ou o que é “faixo”…. Só sei que a pobreza de espírito cansa-me. Cansa-me ver por aí gente a organizar jantares de gente solteira onde, para emparelhar homens e mulheres, se pedem a pessoas comprometidas para deixarem os seus pares e se juntarem a esses jantares de “encalhados”. Acho muito digno o nome porque de facto são todos uma assembleia de encalhados e mal resolvidos em busca de um rebocador que os conduza a um bom porto onde atracam e se apodrecem mutuamente. É mais uma daquelas situações que se não fosse tão séria daria para rir. Assim, só dá para lamentar… Tenho pena de quem não existe em si mesmo e necessita de um reboque. Tenho pena que nos dias de hoje a amizade não baste! Lamento que a sociedade onde me insiro viva destes pequenos grandes pormenores que bem relevam o que hoje é prioridade e com o que se preocupam as pessoas… Encalhados é um bom nome. Rebocador é, também ele, um nome acertado. Desejo que hoje, dia 14 de Fevereiro, muitos encalhados sejam rebocados e que atraquem juntos num cais longínquo para que o cheiro nauseabundo da putrefacção não me atinja em alto mar… Isto sim, me parece imagem justa para quem evita o mau tempo.

 

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